1.0 Introdução
Do ponto de vista de controle de qualidade, o leite e os
derivados lácteos estão entre os alimentos mais testados e avaliados,
principalmente devido à importância que representam na alimentação humana e à
sua natureza perecível. Os testes empregados para avaliar a qualidade do leite
fluido constituem normas regulamentares em todos os países, havendo pequena
variação entre os parâmetros avaliados e/ou tipos de testes empregados.
Esta pesquisa abrange de forma detalhada os parâmetros
brasileiros de higiene, padronização, composição e tipos de lactação. Em suma,
uma pesquisa sobre a qualidade do leite.
2.0 Composição do Leite
Na composição do leite, consta a
parte úmida, representada pela água, e a parte sólida, representada por dois
grupos de componentes: o extrato seco total e o extrato seco desengordurado.
2.1 Extrato
seco total - É representado pela gordura, açúcar,
proteínas e sais minerais. Quanto maior esse componente no leite, maior será o
rendimento dos produtos.
2.2 Extrato
seco desengordurado - Compreende todos os
componentes, menos a gordura (leite desnatado). Por lei, o produtor não pode
fazer a remessa dessa fração do leite para a indústria. Apenas as indústrias
podem manejá-la, por meio de desnatadeiras, destinando-a à fabricação de leite
em pó, leite condensado, doces, iogurtes e queijos magros.
2.3 Gordura - É o componente mais importante do leite. O
leite enviado à indústria deve conter, no mínimo, 3% de gordura. Na indústria,
a gordura dá origem à manteiga, sendo o seu teor responsável pelo diferencial
no preço do leite pago ao produtor.
2.4 Água -
Maior componente do leite, em volume. Há cerca de 88% de água no leite. Se, de
alguma forma, água for adicionada ao leite, o peso do produto será alterado
sensivelmente. Logo, isso constitui uma fraude.
2.5
Densidade-
É a relação entre peso e volume.
Assim, um litro de leite normal pesa de 1.028 a 1.033 gramas. Abaixo ou acima
desse intervalo, o leite pode ter a sua qualidade comprometida e ser recusado
pelas indústrias. Deve-se considerar que um leite com um alto teor de gordura,
como por exemplo, acima de 4,5%, terá provavelmente uma densidade abaixo de
1.028 gramas. Para evitar fraudes por aguagem, a densidade do leite é medida,
diariamente, na indústria.
3.0 Fatore que afetam a qualidade do leite
Para a manutenção dos níveis
adequados dos componentes do leite, é necessária uma ração balanceada, rica em
carboidratos, aminoácidos essenciais e proteína de alta qualidade. Também,
afetam a composição do leite a raça do animal, a freqüência de ordenha e a
maneira de ordenhar.
3.1 Alimentação
Uma alimentação sadia e abundante é
necessária para o funcionamento da glândula mamária e a síntese de todas as
substâncias que vão auxiliar a formação do leite. Quando se ministra uma ração
equilibrada, a composição do leite não é alterada.
3.2 Raça do gado
A raça influencia o volume de leite
produzido e a riqueza em gordura. A raça holandesa, por exemplo, tende a
produzir mais leite, enquanto que as raças Jersey e Guernesey produzem mais
leite e gordura.
3.3 Ordenha
Pode ser manual ou mecanizada. Deve ser feita em ambiente
limpo. O componente do leite mais sensível ao manejo da ordenha é a gordura.
3.4 Manejo do bezerro
No início da ordenha, o leite é
sempre mais ralo, aumentando o teor de gordura à medida que se aproxima do
final. Isso ocorre porque a gordura, por ser mais leve, tende a ficar na
superfície do úbere. Então, se o bezerro mama no final, ele tem acesso a um
leite melhor. Do ponto de vista comercial do leite, é melhor que a cria mame no
início da ordenha, por um tempo suficiente para seu sustento.
3.5 Ordem da ordenha
A primeira ordenha produz um maior
volume de leite com menor teor de gordura. Ao contrário, na segunda ordenha, o
leite é rico em gordura e a produção diminui. O descanso noturno promove a
quantidade de leite e os exercícios diurnos favorecem a formação de gordura.
4.0 Contaminação microbiana do leite cru
O leite ao ser sintetizado e secretado nos alvéolos da
glândula mamária é estéril, mas ao ser retirado, manuseado e armazenado pode se
contaminar com microrganismos originários do interior da glândula mamária, da
superfície das tetas e do úbere, de utensílios, como os equipamentos de ordenha
e de armazenamento e de várias fontes do ambiente da fazenda. Esta contaminação
pode atingir números da ordem de milhões de bactérias por ml, podendo incluir tanto
microrganismos patogênicos como deterioradores. A contaminação microbiana
prejudica a qualidade do leite, interfere na industrialização, reduz o tempo de
prateleira do leite fluido e derivados lácteos e pode colocar em risco a saúde
do consumidor.
O estado de saúde e higiene da vaca, o ambiente do estábulo
e da sala de ordenha e os procedimentos usados para limpeza e desinfecção dos
equipamentos de ordenha, tanque de refrigeração e utensílios que entram em
contato com o leite, são importantes com respeito à contaminação microbiana do
leite cru. De grande importância é também a temperatura e o período de tempo em
que o leite é armazenado. Se o leite não é refrigerado (4oC) rapidamente após a
ordenha, a população bacteriana poderá aumentar, atingindo números elevados que
podem levar à deterioração. No Brasil a refrigeração do leite na fazenda e a
coleta por meio de caminhões isotérmicos (coleta a granel) está regulamentada
pela Portaria nº 56 para as Regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste a partir de
julho de 2002 e a partir de 2004 para as Regiões Norte e Nordeste (Tabela 2).
4.1 Tipos de microrganismos que contaminam o leite
De acordo com a temperatura de crescimento, os
microrganismos contaminantes do leite podem ser divididos em três grupos principais:
os mesófilos, que se multiplicam rapidamente quando o leite não é armazenado sob-refrigeração,
os termodúricos que sobrevivem à pasteurização (30 minutos a 63ºC ou 15
segundos a 72ºC) e os psicrotróficos, que se multiplicam em temperaturas baixas
(7oC ou menos).
As bactérias psicrotróficas causam degradação das proteínas
e gordura do leite, com consequente alterações no sabor e odor e mesmo a
redução no rendimento dos queijos. A ação deletéria resulta de proteases e
lipases termoestáveis, ataque proteolítico à caseína e aumento dos compostos
nitrogenados de baixo peso molecular, que atuam como nutrientes para os contaminantes
pós-pasteurização. A presença de enzimas termoestáveis é especialmente
prejudicial para a qualidade do leite UHT (Ultra Alta Temperatura, 140-145oC,
2-4 segundos) porque este leite é estocado a temperaturas mais elevados por
longos períodos de tempo.
As bactérias psicrotróficas, na maioria, são mesofílicas,
isto é, a, temperatura ótima de multiplicação é entre 25 a 35ºC. Entretanto, possuem
a capacidade de se multiplicar a baixas temperaturas, embora de forma mais
lenta. A contaminação do leite com essas bactérias se dá, geralmente, devido a
falhas nos processos de higienização das tetas antes da ordenha e a falhas nos
sistemas de limpeza e sanitização dos equipamentos de ordenha, tanque de refrigeração
ou utensílios que entram em contato com o leite. Os principais gêneros são:
Pseudomonas, Micrococcus, Bacillus, Clostridium, Achromobacter, Lactobacillus e
Flavobacterium.
As bactérias termodúricas resistem à pasteurização porque
(1) suportam temperaturas mais altas (menos de 100oC) ou (2) produzem esporos
que são formas de resistência contra condições adversas. Exemplos de gêneros
com espécies esporuladas são Clostridium e Bacillus. Os esporos são inertes,
não apresentam atividade metabólica e não se multiplicam, podendo sobreviver
por anos no ambiente. São extremamente resistentes ao calor necessitando-se, em
geral, de 20 minutos a 120oC para serem inativados. Como sobrevivem à
pasteurização, podem reduzir o tempo de prateleira do leite, principalmente se
as bactérias esporuladas forem também psicrotróficas. As bactérias termodúricas
são associadas com falhas crônicas ou persistentes de limpeza dos equipamentos
de ordenha ou de contaminação originada do solo.
Outras causas são vazamentos ou rachaduras nos componentes
de borracha e depósitos que se formam nos equipamentos (biofilmes ou pedras do
leite). Independentemente da origem da contaminação microbiana, quanto mais
elevado o número de bactérias no leite, menor será o tempo de prateleira do
leite fluido.
4.2 Requerimentos microbiológicos
É praticamente impossível se obter um leite livre de
microrganismos contaminantes. Por isso se definem números aceitáveis, com base nas
alterações que esses números causam no leite e derivados. Este requerimento é
muito importante para a avaliação da qualidade do leite cru, pois será
indicador das condições de higiene em que o leite foi obtido e armazenado,
desde o processo de ordenha até o consumo.
A contagem total de bactérias é um requerimento adotado em diversos
países e usado para bonificação em programas de pagamento pela qualidade. O
valor máximo aceito para o leite cru pela União Europeia e EUA é menos de
100.000 ufc/ml. No Brasil, a Portaria 56 propõe para o leite cru resfriado de
produtores individuais o limite máximo de 1.000.000 ufc/ml a partir de 01/07/2002
para as Regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste e a partir de 01/07/2004 para as
Regiões Nordeste e Norte, com redução gradual até 100.000/ml num período de
seis a sete anos (Tabela 2).
4.3 Células somáticas
Células somáticas são primariamente leucócitos ou células
brancas do sangue (macrófagos, linfócitos e neutrófilos), que passam para o leite
em resposta a uma agressão sofrida pela glândula mamária.
Estudos que identificaram os tipos de células no leite
mostraram que as células epiteliais não são frequentemente encontradas nas secreções
do úbere, e variam de 0 a 7% de todo o conjunto de células.
A principal causa do aumento da contagem de células do leite
é devido à resposta inflamatória da glândula mamária, que na maioria dos casos,
é resultado de uma infecção bacteriana. Essa inflamação é a mastite. Como
resultado da inflamação, as paredes dos vasos sanguíneos se tornam dilatadas e
diversas substâncias do sangue passam junto com os leucócitos para o leite.
Entre essas estão íons de cloro e sódio, que deixam o leite com sabor salgado,
e enzimas que causam alterações na proteína e na gordura. Devido às lesões no tecido
mamário, as células secretoras se tornam menos eficientes, isto é, com menor
capacidade de produzir e secretar o leite. Isso explica a perda de qualidade e
a redução na produção do animal.
4.4 Importância de baixas contagens de células
O efeito da inflamação na redução da produção de leite já é
bem conhecido e é consequência das lesões nas células alveolares que produzem e
secretam o leite. O nível desta redução depende da gravidade da inflamação.
Estimativas sobre perdas de produção relacionadas com a
mastite podem ser feitas considerando-se a contagem de células somáticas no
leite (CCS). De modo geral, para vacas de segunda lactação em diante, à medida
que a CCS duplica, há uma perda aproximada de 0,6 kg de leite por dia, ou de
cerca de 180 kg por lactação (Tabela 3).
Por exemplo, a estimativa de perda de produção na segunda
lactação quando há um aumento da CCS de 200.000 para 400.000 é de 180 kg (de
360 para 540 kg). Inversamente, a redução na CCS em 50% irá incrementar a
produção de leite em uma quantidade estimada de 180 kg por vaca na lactação.
Tabela 3. Estimativa da redução na produção de leite por
vaca, associada com a média do escore linear da contagem de células somáticas
(ECS) e com a média da contagem de células somáticas (CCS) durante a lactação1.
ECS
|
CCS
(x 1000/mL) |
Redução na produção de leite (kg/305
dias)
|
|
Lactação 1
|
Lactação 2
|
||
0
|
12,5
|
-
|
-
|
1
|
25
|
-
|
-
|
2
|
50
|
-
|
-
|
3
|
100
|
90
|
180
|
4
|
200
|
180
|
360
|
5
|
400
|
270
|
540
|
6
|
800
|
360
|
720
|
7
|
1.600
|
450
|
900
|
1Fonte:
Adaptado de National Mastitis Council (1996). Foram feitas aproximações dos valores
das reduções na produção para facilitar o entendimento.
Além da redução na produção, há também diminuição na
produção dos principais elementos do leite. Existe uma correlação negativa significativa
entre a CCS e o conteúdo de matéria seca do leite; quando a CCS está elevada,
pode haver uma redução de 5 a 10% da matéria seca do leite. Na Tabela 4 são
apresentados exemplos de alterações nos componentes do leite causados pela
mastite. A concentração das proteínas totais permanece relativamente estável, mas
o teor de caseína decresce, enquanto os de albumina e imunoglobulina aumentam.
Há aumento de cloretos, sódio e do pH, que tende para a alcalinidade.
Tabela 4. Alterações na composição do leite associadas à
mastite subclínica: quantidades médias (g / 100g) encontradas no leite normal e
no leite com altas contagens de células somáticas 1.
Componentes
|
Leite normal
|
Leite com altas
contagens de células |
Sólidos não-gordurosos
|
8.90
|
8.80
|
Gordura
|
3.50
|
3.20
|
Lactose
|
4.90
|
4.40
|
Proteína total
|
3.61
|
3.56
|
Caseína total
|
2.80
|
2.30
|
Proteínas do soro do leite
|
0.80
|
1.30
|
Soro-albumina
|
0.02
|
0.07
|
Lactoferrina
|
0.02
|
0.10
|
Imunoglobulinas
|
0.10
|
0.60
|
Sódio
|
0.06
|
0.11
|
Cloreto
|
0.09
|
0.15
|
Potássio
|
0.17
|
0.16
|
Cálcio
|
0.12
|
0.4
|
Fonte: Adaptado de National Mastitis Council (1996).
Todas as alterações que a inflamação da glândula mamária
causa nos componentes do leite terminam por afetar os produtos lácteos.
Na indústria, mesmo quando se mistura o leite de várias origens
em grandes tanques de armazenamento para o processamento, o leite final poderá
apresentar uma composição que não é inteiramente satisfatória para a manufatura
de determinados produtos.
Os efeitos de alta contagens de células somáticas na
fabricação de queijos são muito significativos. O tempo de coagulação é
retardado e a redução da caseína leva à perda no rendimento. Uma perda de 3,1%
foi observada na produção de queijo tipo Cheddar fabricado com leite com
640.000 células somáticas por ml em comparação a leite com contagens de
240.000/mL. Alterações na estabilidade ao calor podem afetar a produção do leite
UHT e de leite condensado, porque esses produtos são muito sensíveis ao
desequilíbrio de sais minerais (cálcio, magnésio, fosfatos e citratos). Na
Tabela 5 são apresentados os principais problemas decorrentes de altas
contagensde células somáticas nos produtos lácteos.
Tabela 5. Efeito do leite com altas contagens de células
sobre os produtos lácteos.1
Produto
|
Problema
|
|
Leite condensado
Leite evaporado
--------------------------------------
|
-estabilidade ao calor diminui
|
|
Leite em pó
----------------------------------------
|
- gosto de queimado ou outros sabores
estranhos
|
|
Queijo
|
- aumento do tempo de coagulação
- diminuição da firmeza do coágulo - queda no rendimento |
|
----------------------------------------
Leite fluido
|
- alteração do sabor na estocagem
|
|
Produtos fermentados
-----------------------------------------
|
- inibição do crescimento das culturas
lácteas
|
|
Manteiga
|
- diminuição do rendimento
- aumento da rancificação |
|
Fonte: Compilado de diversos autores.
5.0 Equipamentos
A maior parte do leite é produzido em fazendas leiteiras é
disposto em latões, os quais são recolhidos por caminhões e levados até postos
de refrigeração para, finalmente, ser transportado até a usina de
beneficiamento. Este fluxograma tem sido utilizado por várias décadas e
constitui, ainda hoje, a principal forma de captação de leite pelas indústrias
(SILVESTRINI, 1985). Entretanto, este modelo necessita de uma profunda revisão,
uma vez que, com a implementação de programas de qualidade total, as empresas
deverão exigir, cada vez mais melhor qualidade do leite in natura.
A relação tempo-temperatura assume destacada relevância para
a conservação do leite recém-ordenhado. Para o leite C, a legislação brasileira
estabelece o intervalo máximo de 12 horas entre a ordenha e a chegada à
plataforma da usina (MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, 1980).
A cadeia de frio é fundamental, também, para a prevenção de microrganismos patogênicos no leite. O produto extraído da vaca deve chegar ao local de armazenamento (latão ou tanque) com uma carga microbiana variando entre 500 e 10.000 ufc/m1. Recomenda-se, também, resfriar o leite a 4º C dentro de duas horas após a primeira ordenha. Nos casos em que se utiliza o sistema de tanque de expansão, a temperatura do leite de mistura, após a segunda ordenha, não deve ultrapassar 10º C, atingindo o máximo de 4º C dentro de uma hora.
Para melhorar as condições de captação do leite, algumas empresas têm desenvolvido programas, cujo objetivo principal é racionalizar o transporte do leite resfriado nas fazendas diretamente até a usina de beneficiamento, sem a necessidade de veículos de coleta de latões e postos de refrigeração. Este procedimento recebe o nome de “granelização” e é adotado em diversos países da Europa, além dos Estados Unidos e Argentina. Sob o aspecto da qualidade do leite, as vantagens da granelização são evidentes, pois garantem o transporte do leite resfriado a cerca de 4º C em caminhões-tanque isotérmicos, com um mínimo de manipulação. A adoção deste procedimento representa uma evolução significativa sob o aspecto microbiológico do leite cru, particularmente em relação ao binômio tempo-temperatura, passando a privilegiar a temperatura de estocagem e transporte do produto recém-ordenhado ao invés de apenas limitar o tempo gasto para a sua distribuição, desde a propriedade rural, até a usina de beneficiamento.
A cadeia de frio é fundamental, também, para a prevenção de microrganismos patogênicos no leite. O produto extraído da vaca deve chegar ao local de armazenamento (latão ou tanque) com uma carga microbiana variando entre 500 e 10.000 ufc/m1. Recomenda-se, também, resfriar o leite a 4º C dentro de duas horas após a primeira ordenha. Nos casos em que se utiliza o sistema de tanque de expansão, a temperatura do leite de mistura, após a segunda ordenha, não deve ultrapassar 10º C, atingindo o máximo de 4º C dentro de uma hora.
Para melhorar as condições de captação do leite, algumas empresas têm desenvolvido programas, cujo objetivo principal é racionalizar o transporte do leite resfriado nas fazendas diretamente até a usina de beneficiamento, sem a necessidade de veículos de coleta de latões e postos de refrigeração. Este procedimento recebe o nome de “granelização” e é adotado em diversos países da Europa, além dos Estados Unidos e Argentina. Sob o aspecto da qualidade do leite, as vantagens da granelização são evidentes, pois garantem o transporte do leite resfriado a cerca de 4º C em caminhões-tanque isotérmicos, com um mínimo de manipulação. A adoção deste procedimento representa uma evolução significativa sob o aspecto microbiológico do leite cru, particularmente em relação ao binômio tempo-temperatura, passando a privilegiar a temperatura de estocagem e transporte do produto recém-ordenhado ao invés de apenas limitar o tempo gasto para a sua distribuição, desde a propriedade rural, até a usina de beneficiamento.
6.0 Higiene
O direito do consumidor em adquirir
um produto digno de confiança é considerado uma conquista do cidadão. Neste
item, abordam-se os cuidados com a matéria-prima, desde a fonte de produção e o
caminho por ela percorrido, até a plataforma de recepção da indústria. Nessa
ocasião, algumas análises obrigatórias são feitas para avaliação da qualidade
higiênico-sanitária do leite, tais como a acidez, prova do álcool-alizarol,
prova de redutase do azul de metileno e outras complementares, como a contagem
total de bactérias.
6.1 Acidez do leite
Ao ser ordenhado, o leite não
apresenta nenhuma fermentação. Depois de algum tempo, com a ação da temperatura
e com a perda dos inibidores naturais, o leite passa a produzir um tipo de
fermento que é medido pela acidez. Portanto, é atribuída à acidez a perda do
leite do produtor nas usinas, quando a fermentação produzida ultrapassa a 1,8
gramas por litro de leite, que é igual 18o D (18 graus Dornic).
6.2 Prova do álcool-alizarol
Essa análise não mede exatamente a
acidez do leite, mas sim, verifica sua tendência a coagular. O leite que
coagula nessa prova não resiste ao calor, portanto, não pode ser misturado aos
demais.
6.3 Teste de redutase do azul de metileno (TRAM)
Nesta prova avalia-se a atividade
das bactérias presentes no leite, por meio de um corante. Quanto mais rápido
for o tempo de descoloração do corante de azul para branco, maior é o numero de
micróbios existentes. No Brasil, o leite é aceito quando a descoloração ocorre
a partir de duas horas e trinta minutos. Esse teste classifica o leite
brasileiro nos tipos A, B e C.
6.4 Contagem total de bactérias
É um método mais preciso que
determina, com precisão, o número de bactérias existente no leite. Para o leite
tipo C, mais comumente produzido no Brasil, é utilizado como um controle
complementar da qualidade do leite.
6.5 Recomendações práticas
A qualidade do leite cru está
relacionada ao número inicial de bactérias no úbere do animal e no ambiente
externo, no ato da ordenha. Um leite é de boa qualidade quando, ao sair do
úbere do animal, contém aproximadamente de 1.500 a 2.500 bactérias por cm3 (Vargas,
1976). Portanto, para que o leite atenda às exigências higiênico-sanitárias,
algumas práticas têm que ser observadas, levando em consideração o animal, o
material de coleta, que entra em contato diretamente com o leite, o ambiente
geral e o ordenhador, conforme as recomendações a seguir.
6.6 Local de ordenha
Deve ser bem arejado, com
acomodações adequadas ao serviço, permitindo uma higiene completa. Pelo menos,
as salas de ordenha devem dispor de piso cimentado e água em abundância para a
higiene dos animais e dos ordenhadores.
6.7 Cuidados com o animal
Para produzir leite de boa
qualidade, os animais devem estar em boas condições sanitárias. As vacas devem
estar vacinadas contra brucelose e febre aftosa, e terem aparados os pêlos da
cauda e das proximidades do úbere, pois constituem os maiores propagadores de
microrganismos. Recomenda-se que as vacas sejam lavadas diariamente e, no
momento da ordenha, os úberes sejam higienizados com água limpa e enxutos com
pano, de preferência, de cor branca. As vacas portadoras de mamite ou mastite
devem ser ordenhadas por último. O leite dos animais doentes só poderá ser
aproveitado após o tratamento e assegurada a sua cura. A ordenha deve ser
completa e, de preferência, deve-se deixar o bezerro mamar no início.
6.8 O leite colostro
Após o parto, durante 8 a 10 dias, a
vaca secreta um líquido de cor amarelada, de sabor ácido e densidade alta, que
coagula ao ser fervido e na prova do álcool-alizarol. É o leite colostro, que
deve ser utilizado apenas pela cria, por conter substâncias essenciais à saúde
e favorecer a eliminação das primeiras fezes. Esse tipo de leite não deve ser
misturado ao leite normal, por ser de fácil deterioração.
6.9 Ordenhador
Deve ter boa saúde, trabalhar com
roupas e mãos limpas, usar botas e boné, manter as unhas aparadas e os cabelos
curtos, e evitar fumar ou cuspir no chão, durante a ordenha. Esse trabalhador
deve limitar-se somente à ordenha das vacas. Outras tarefas como conduzir,
apartar e pear os animais, raspar e lavar o piso devem ser realizadas por um
auxiliar. Deve ser bem treinado para a sua função e conhecer a importância da
qualidade do leite na saúde humana.
6.10 Utensílios
Quando não devidamente higienizados,
os baldes, latões, coadores e outros objetos que entram em contato com a
matéria-prima são os principais responsáveis pela baixa qualidade do leite. Por
exemplo, um mangote ou um latão mal lavado pode introduzir até nove milhões de
bactérias por cada cm3 de leite (Feijó et al. 2002). Após o uso, os utensílios
devem ser lavados e esterilizados com uma solução simples, contendo água
sanitária, à base de 12 ml (uma colher de sopa), por litro de água. Após a
limpeza, os utensílios devem ser colocados de boca para baixo, sobre um estrado
de madeira.
6.11 Ordenha
Geralmente é nessa operação que o
leite é contaminado. Portanto, o ordenhador deve tomar muito cuidado, pois
maior parte da contaminação é de origem externa. A seguir, tratam-se de alguns
pontos importantes da ordenha.
Primeiros jatos
de leite - É importante a dispensa dos primeiros três ou quatro jatos de
leite, pois à noite, ao deitar-se, o animal encosta as tetas no solo,
possibilitando que microrganismos penetrem pelos canais das tetas. Contudo, se
o bezerro mama antes da ordenha, ele já executa essa tarefa. Adicionalmente, é
necessário fazer a limpeza das tetas dos animais com um pano úmido, para a
retirada da espuma contaminada, deixada pelo bezerro.
Esgotamento total
do leite - A ordenha termina com o esgotamento completo de todo o leite
do úbere, cuidado essencial para a conservação desse órgão e o bom
aproveitamento da gordura, que começa diluída no início da ordenha e vai
engrossando, progressivamente, até o final.
Utilização de
baldes de boca estreita - Durante a ordenha, partículas sujas aderentes
ao pêlo do animal soltam-se e podem contaminar o leite. Essas partículas são
esterco, pêlos, terra etc. Estudos têm mostrado a eficiência do uso de baldes
de boca estreita, na qualidade do leite: ordenha com baldes de boca estreita
resultou em menos bactérias (29.263 por cm3) que baldes de boca larga (87.380
por cm3) (Furtado, 1979).
Cuidados com o
leite após a ordenha - Ao sair do úbere do animal, o leite está na
temperatura ideal para a proliferação de bactérias. À medida que o leite for
sendo ordenhado, deve ser filtrado em coadores próprios de tela fina. Na
região, a prática mais comum de conservação do leite, antes do transporte à
usina de beneficiamento, é mantê-lo sob um abrigo rústico para proteger do sol.
No entanto, o resfriamento, à temperatura de 4oC a 7ºC, num espaço de tempo de
2 horas, é o procedimento mais eficaz para a sua conservação.
7.0 Padrão de Qualidade
O leite de qualidade obedece às normas de regulamentação não
apenas no papel, mais no dia a dia da linha de produção. A higiene durante o
processo define o valor do produto final.
7.1 CCS como um requerimento da qualidade do leite
A contagem de células somáticas (CCS) do leite total do
rebanho é um indicativo da prevalência de mastite e da qualidade da composição
do leite. Rebanhos com baixas CCS apresentam menores perdas na produção e
produzem leite com melhor qualidade composicional, tanto do ponto de vista
nutricional quanto do processamento. Adicionalmente, tem sido mostrado que
rebanhos com baixas CCS usam menos antibióticos para tratamento de mastite
durante a lactação, e apresentam menor risco de contaminação do leite com
resíduos.
A determinação da CCS no leite pode ser feita pelo método
microscópico ou por meio de equipamentos eletrônicos, automatizados, que
permitem a realização de grande número de análises em pouco tempo. Os limites
máximos de CCS para aceitação do leite nas indústrias é regulamentado na
maioria dos países, sendo os mais comuns entre 400.000 e 750.000 células/mL. Na
Comunidade Européia e Nova Zelândia o limite (células/mL) é
menos de 400.000, no Canadá é 500.000 e nos Estados Unidos é 750.000.
No Brasil, a Portaria nº 56, de 7/12/1999, propõe o limite
de 1.000.000 células/ml para as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste a partir de
01/07/2002 e a partir de 01/07/2004 para as regiões Nordeste e Norte (Tabela
2).
7.2 Resíduos de antibióticos e drogas
O leite pode conter resíduos de substâncias como
antibióticos, desinfetantes e pesticidas administradas aos animais ou usadas no
ambiente da fazenda. Antibióticos podem ser detectados no leite após serem
administrados pelas vias intramamária, intramuscular, intrauterina, oral e
subcutânea. Os antibióticos são comumente usados para tratar mastite e outras
infecções das vacas leiteiras.
As principais razões porque os produtores, a indústria,
autoridades de saúde pública e consumidores se preocupam com os resíduos de
antibióticos no leite são:
1) Uma pequena porcentagem de consumidores apresenta reação
alérgica à penicilina, mesmo para as pequenas quantidades que podem aparecer no
leite como resíduos;
2) Alguns (nitrofuranos e sulfametazina) desenvolvem tumores
malignos em animais de laboratório, havendo o potencial para causar o mesmo
efeito no homem. O cloranfenicol pode causar efeitos adversos sobre a medula
óssea, causando anemia aplástica em indivíduos susceptíveis, independentemente
da dose;
3) Os resíduos de antibióticos poderiam atuar sobre as
bactérias do ambiente e/ou presentes nos animais, selecionando amostras
resistentes, o que pode prejudicar futuros tratamentos, se necessários.
4) Pequenas concentrações de antibióticos podem inibir as
espécies de bactérias usadas nos produtos lácteos fermentados, e o leite não
poderá ser usado para o processamento posteriormente.
A atividade dos antibióticos não é, geralmente, afetada pela
pasteurização. Portanto, é importante que uma série de cuidados sejam tomados
quando se administram antibióticos às vacas em lactação para que o leite com
resíduos não seja comercializado. Alguns pontos principais são:
1) Ler com atenção as instruções contidas nas bulas dos
antibióticos e segui-las cuidadosamente;
2) Ordenhar as vacas tratadas por último;
3) Descartar o leite dos quatro quartos mamários, pois o
antibiótico aplicado em um quarto é absorvido pela corrente sanguínea e
secretado no leite dos quartos não-tratados;
4) Respeitar rigorosamente o prazo de retirada do leite do
consumo para cada produto utilizado. Este prazo varia de acordo com o produto.
Antimicrobianos que não trazem esta informação não devem ser usados para
tratamento de vacas em lactação.
A Portaria nº 56, de 07/12/1999, que trata da proposta de
regulamentação para o setor lácteo inclui nos testes do leite cru a detecção de
resíduos de antibióticos betalactâmicos. Fazem parte do grupo dos antibióticos
betalactâmicos as penicilinas (naturais, semissintéticas e de amplo espectro) e
as cefalosporinas (primeira, segunda, terceira e quarta geração). Os
antibióticos betalactâmicos são motivo de preocupação devido ao grande uso para
tratamento de mastite. Mas é necessário ainda estabelecer um programa para
teste dos antibióticos pertencentes aos outros grupos, pois eles são muito
usados no Brasil para tratamento de mastite.
8.0 Conclusão
Os principais fatores que contribuem para a perda da
qualidade do leite são: presença de doenças no rebanho (brucelose, tuberculose,
mastite), falta de higiene durante a ordenha, limpeza e sanitização inadequadas
dos equipamentos e utensílios de ordenha, má qualidade da água e
acondicionamento e transporte em condições inapropriadas do ponto de vista de
higiene e temperatura.
A produção e o processamento de leite de alta qualidade é
uma situação que beneficia tanto aos produtores e à indústria, como também aos
consumidores e é importante para garantir a confiança do consumidor e a
competitividade da cadeia produtiva do leite no Brasil a médio e longo prazo.
9.0 Bibliografia
EMBRAPA-http://sistemasdeproducao.cnptia.embrapa.br/FontesHTML/Leite/GadoLeiteiroZonaBragantina/paginas/qualidade.htm
Qualidade do Leite/ Maria Aparecida de Vasconcelos Paiva
Brito e José Renaldi Feitosa Brito http://fernandomadalena.com/site_arquivos/903.pdf
NUPEL/Núcleo Pluridisciplinar de Pesquisa e Estudo da Cadeia
Produtiva do Leite- http://www.nupel.uem.br/m_qualidadeleitemastite.shtml
Qualidade do Leite/João Gabriel Quaggio Brasil - http://www.qualidadedoleite.com.br/
Queijos no Brasil- http://www.queijosnobrasil.com.br/obtencao-de-leite-de-qualidade.html
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